Funilaria Martin
Chegamos cá de mudança
Vamos daqui pr’outro chão
No corcel nosso cavalo
Galopante de invenção
Correndo atrás da história
Com a história na mão
Viemos cá galopando
O carro é nosso corcel
Feito um cavalo de fogo
Das profundezas do céu
Doce azul da mãe de cristo
Cristalino feito mel
Nos vermelhos dos caminhos,
Barreados e tingidos,
Protegidos pelos santos,
No amor dos tempos vividos
De tudo o que contemplamos
Estamos abastecidos.
Nos milagres ascendidos
Nos silêncios na estrada
Parando a gente dialoga
Da maneira mais sagrada
Reinventando a história
Com poesia cantada.
Pelas estradas que fluem
Saltam paisagens verdosas
E vacas pastando céu
Azul, e verde babosa
Parece um sertão bonito
Da cor de Guimarães rosa.
Lu
Achamos até que enfim
O canto tão procurado
Aqui é o recomeço
Do nosso sopro sagrado
Mas pra chegar no agora
Caminho já foi andado
Jaboticaba, janela
Batom, criança, costura,
Cachorro, velha, tijolo,
Realidade e loucura,
Cata-vento, Lua e Sol,
Terra, verde, aventura
Dinheiro pouco, boneco
fábrica, posto, visão
Pano na mala, teatro
Silêncio, rádio, amplidão
Dívida de pai pra filho
Escritura da missão
Cachaça, doce Avenida,
Arco-íris e cordel,
Dinheiro que nem servia
Mas que chegou no chapéu
Sumindo por conta própria
Pois nosso olhar tá no Céu
Na dança dos malabares
No fluir da bailarina
Na pintura do palhaço
No sorriso da menina
No som das palmas contentes
Nas cores da nossa sina
Mambembando pela vida
Mais fantoche do que gente
encontramo outra boneca
na freqüência do repente
cantando no violão
oferecendo o presente
vampiro, brinco, leveza
sorriso, aperto de mão
beleza, sonho, surpresa
estrela na imensidão
sementes, flores, clareza
serpente, fogo, paixão
anaíra
Cá nesse corcel de vento
Tem uma estrada embutida
E em cada um passageiro
Uma estrela bem luzida
Que nos guia pela terra
Chegada, volta, e partida
Sendo essa a forma da vida
Traçamos nossa viagem
Querendo encontrar um canto
Que também é só passagem
Mas que guarda alguma graça
Desse campo de linguagem.
O carro tem engrenagem
Tao qual a vida e o trem
A gente está no sistema
É engrenagem também
Quando a gente entende isso
Consegue ir mais além.
É o caminho do bem
Da flor e do paraíso
Paraíso que é interno
E vem em tempo preciso
Não chega quando se quer
Mas quando aquieta o juízo.
E é por isso que eu friso
No mapa da oralidade
Que a pergunta e a resposta,
Moram na mesma cidade
Comem da mesma comida
Vivem da mesma vontade...
Pela sincronicidade
É que de fato se encontram
E aí, na plenitude,
É que as verdades brotam
Feito sementes doridas
Feito folias que saltam.
Diana pergunta a Paco:
– Não é melhor ir direto
Pra Milho Verde e deixar
Essa dívida a pagar?
– Diana, não é correto,
Se a dívida engabelar,
Não rumo caminho certo.
E sem ter o peito aberto
Não viajo sossegado.
Pagando fico tranqüilo,
Se não pago, sou cobrado,
Não pelo homem a quem devo
Mas pelo peito fechado.
E com esse carro assim,
Sem placa e sem pára-choque.
Não se vai a muito longe
Desse jeito “não dá rock”
É melhor ir até lá
Que arriscar o reboque.
E a gente ainda pode
Ir por aí arriscando
Parando pelas cidades
Ganhar dinheiro brincando
Que quando menos sonhar
A gente vai estar chegando.
Sem muito pensar no quando
Vamo embora sem demora
Que tudo que a gente pensa
Vira verdade uma hora
Com a benção de São Cristovão
Tamos protegido agora.
E o carro arranca na beira da estrada,
Sem placa, sem mapa, e sem pára-choque...
Diana e paco caminham sem norte,
Dali em um pouco dão uma parada.
É pouca a palavra, e longa a estrada
E faz-se o caminho com coisas pra ver...
Alerta, vermelho, quer abastecer...
Semelhante o carro, azul e solar,
Diana arregala o globo ocular
E afasta a cortina à flor do saber.
Atrás da janela do tempo correr
Tão calma paisagem do dia que cora
De linda criança, de bela senhora
De flor que se abre e alimenta o ser
De sol e de chuva da planta crescer
De amor de amora e de jabuticaba
De coisa que nasce e de coisa que acaba
De linha e costura, de flora e bordado
Da flor do aberto, da flor do guardado
Da cor do batom e da cor da goiaba.
Debaixo de uma jabuticabeira
Uma velha senhora, sentada, costura
Pequenos paninhos que a neta pendura
Naquele varal, toda companheira
Enquanto a avó fica ali na cadeira
E ensina a menina, se eleva o cenário
A cor, o carinho, a flor, o canário
O canto, o silêncio, e a paz celestina
A neta e a velha, a vó e a menina
A coisa mais bela da era de aquário.
(de quando chegam á ‘campina grande’, e encontram dona
Mabel)
Chegando a outra cidade
Colorida flor de graça
De um jardim de cata-ventos
Minha poesia se engraça
E soprando cria ventos
A onde o vento não passa.
Foi então naquele dia
Perto de uma usina velha
Num milagre de Miguel...
Num cenário cor-de-telha
Que encontrei outra rosa
Numa paisagem vermelha
Ali eu era uma abelha
Que encontrou sua musa
Na loucura de um Quixote
Que em sua trova profusa
Numa miração de pedra
Por onde passou medusa
Lá conheci uma deusa,
A Senhora Mãe do Vento,
Batendo as asas de Iris,
Na contemplação do invento,
Entendendo a liberdade
Das gentes, dos movimentos.
Com tantos ensinamentos
Pude expor para a platéia
(Um cachorro, a deusa, e paco)
A verdadeira colméia
E dos moinhos de vento
Não faltou a Dulcinéia.
Lu
(1ª parte)
A estrada é nossa morada
vivemo atrás de um lugar
Que ninguém sabe se existe
Ninguém nunca ouviu falar
A cidade é Tatuí
Você sabe onde encontrar?
Com a benção de são Cristóvão
Seguimos nesse Corcel
Eu sendo esse mamulengo
com meus versos de cordel
e meu par sendo o pai dele
que observa lá do Céu
Funilaria Martín
é o destino primeiro
é lá que tá o credor
de Paco, meu companheiro
Por isso rodamos tanto
Nesse carro aventureiro
Só que tem a gasolina
Que é preciso pr’ele andar
E isso custa dinheiro
Ainda mais quando não há
Sinal dessa Tatuí
Onde danado ela tá?
Depois é pra Milho Verde
O rumo da caminhada
E nas estradas, nos Céus,
Prosseguimos na jornada
Nos encontrando nos outros
Vivendo a vida sonhada
Da cortina da janela
Fui velha, uma criança
Varal, árvore, batom
É o tom da minha dança
Sou água de melancia
Repleta de esperança
Chegamos nessa cidade
Vazia e silenciosa
Pra enchê-la de emoção
Interpretando em glosa
a estória do presente
poetizando a prosa
E agora ao nos encontrar
Com a Senhora, Mãe do Vento
Mensageira como Íris
Doutora desse elemento
Pedimos só uma benção
De’um desses seus Cata-vento
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(2ª parte)
Salve Salve Santa Rita
Salve povo encantador
Viemos contar estória
É esse o nosso valor
O Vento foi quem nos trouxe
Ele é o nosso professor
Saímos de muito longe
Vivemos na longa estrada
Procuramos Tatuí
Ô cidade procurada!
Só que ninguém sabe dela
Nem no mapa tá mostrada.
Tivemo em muita paragem
Nos vimos em todo canto
O carro é o nosso mocambo
Ele é um fiel recanto
Mas bebe um gás danado
Nos deixando sem um conto
Percorremos muitas léguas
Atrás de uma Funilaria
Martín é o nome dela
É ela a moradia
Do homem que o pai dele
Ficou devendo algum dia
Tamos indo lá pagar
Não sabemos bem o quê
Só que temos que ir saldar
A dívida de um outro ser
Para que meu companheiro
Possa tranqüilo viver
Olhados por São Cristóvão
Seguimos na travessia
Encontros encantadores
Perfumam a nossa via
Batom em mão de criança
Na boca de quem a guia
Vimos as asas de Íris
Aplaudir a nossa estória
Junto a Paco e um cachorro
Escutou nossa memória
Nos deu de presente Vento
Abençoou –nos de glória
Muitas Luas se passaram
Muitas águas, muito chão
Juntamos algum dinheiro
Mas ele mal paga um pão
E agora agradecemos
A todos a atenção
Nós saudamos essas águas
Essa terra, esse presente
As plantas, os animais
Saudamo a Lua Crescente!
Saudamos nosso Deus Sol
Nesses versos de repente
Catavento na janela
Prosseguiremos viagem
Nosso rumo é Milho Verde
Tatuí é só passagem
Suspeito ser Tatuí
Uma cidade miragem.
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