quarta-feira, junho 01, 2022

Funilaria Martin

 

Funilaria Martin

 

Chegamos cá de mudança

Vamos daqui pr’outro chão

No corcel nosso cavalo

Galopante de invenção

Correndo atrás da história

Com a história na mão

 

Viemos cá galopando

O carro é nosso corcel

Feito um cavalo de fogo

Das profundezas do céu

Doce azul da mãe de cristo

Cristalino feito mel

 

Nos vermelhos dos caminhos,

Barreados e tingidos,

Protegidos pelos santos,

No amor dos tempos vividos

De tudo o que contemplamos

Estamos abastecidos.

 

Nos milagres ascendidos

Nos silêncios na estrada

Parando a gente dialoga

Da maneira mais sagrada

Reinventando a história

Com poesia cantada.

 

Pelas estradas que fluem

Saltam paisagens verdosas

E vacas pastando céu

Azul, e verde babosa

Parece um sertão bonito

Da cor de Guimarães rosa.

 

Lu

Achamos até que enfim

O canto tão procurado

Aqui é o recomeço

Do nosso sopro sagrado

Mas pra chegar no agora

Caminho já foi andado

 

Jaboticaba, janela

Batom, criança, costura,

Cachorro, velha, tijolo,

Realidade e loucura,

Cata-vento, Lua e Sol,

Terra, verde, aventura

 

Dinheiro pouco, boneco

fábrica, posto, visão

Pano na mala, teatro

Silêncio, rádio, amplidão

Dívida de pai pra filho

Escritura da missão

 

Cachaça, doce Avenida,

Arco-íris e cordel,

Dinheiro que nem servia

Mas que chegou no chapéu

Sumindo por conta própria

Pois nosso olhar tá no Céu

 

Na dança dos malabares

No fluir da bailarina

Na pintura do palhaço

No sorriso da menina

No som das palmas contentes

Nas cores da nossa sina

 

Mambembando pela vida

Mais fantoche do que gente

encontramo outra boneca

na freqüência do repente

cantando no violão

oferecendo o presente

 

vampiro, brinco, leveza

sorriso, aperto de mão

beleza, sonho, surpresa

estrela na imensidão

sementes, flores, clareza

serpente, fogo, paixão

 

anaíra

 

Cá nesse corcel de vento

Tem uma estrada embutida

E em cada um passageiro

Uma estrela bem luzida

Que nos guia pela terra

Chegada, volta, e partida

 

Sendo essa a forma da vida

Traçamos nossa viagem

Querendo encontrar um canto

Que também é só passagem

Mas que guarda alguma graça

Desse campo de linguagem.

 

O carro tem engrenagem

Tao qual a vida e o trem

A gente está no sistema

É engrenagem também

Quando a gente entende isso

Consegue ir mais além.

 

É o caminho do bem

Da flor e do paraíso

Paraíso que é interno

E vem em tempo preciso

Não chega quando se quer

Mas quando aquieta o juízo.

 

E é por isso que eu friso

No mapa da oralidade

Que a pergunta e a resposta,

Moram na mesma cidade

Comem da mesma comida

Vivem da mesma vontade...

 

Pela sincronicidade

É que de fato se encontram

E aí, na plenitude,

É que as verdades brotam

Feito sementes doridas

Feito folias que saltam.

 

 

Diana pergunta a Paco:

 

– Não é melhor ir direto

Pra Milho Verde e deixar

Essa dívida a pagar?

 

– Diana, não é correto,

Se a dívida engabelar,

Não rumo caminho certo.

 

E sem ter o peito aberto

Não viajo sossegado.

Pagando fico tranqüilo,

Se não pago, sou cobrado,

Não pelo homem a quem devo

Mas pelo peito fechado.

 

E com esse carro assim,

Sem placa e sem pára-choque.

Não se vai a muito longe

Desse jeito “não dá rock”

É melhor ir até lá

Que arriscar o reboque.

 

E a gente ainda pode

Ir por aí arriscando

Parando pelas cidades

Ganhar dinheiro brincando

Que quando menos sonhar

A gente vai estar chegando.

 

Sem muito pensar no quando

Vamo embora sem demora

Que tudo que a gente pensa

Vira verdade uma hora

Com a benção de São Cristovão

Tamos protegido agora.

 

E o carro arranca na beira da estrada,

Sem placa, sem mapa, e sem pára-choque...

Diana e paco caminham sem norte,

Dali em um pouco dão uma parada.

É pouca a palavra, e longa a estrada

E faz-se o caminho com coisas pra ver...

Alerta, vermelho, quer abastecer...

Semelhante o carro, azul e solar,

Diana arregala o globo ocular

E afasta a cortina à flor do saber.

 

Atrás da janela do tempo correr

Tão calma paisagem do dia que cora

De linda criança, de bela senhora

De flor que se abre e alimenta o ser

De sol e de chuva da planta crescer

De amor de amora e de jabuticaba

De coisa que nasce e de coisa que acaba

De linha e costura, de flora e bordado

Da flor do aberto, da flor do guardado

Da cor do batom e da cor da goiaba.

 

Debaixo de uma jabuticabeira

Uma velha senhora, sentada, costura

Pequenos paninhos que a neta pendura

Naquele varal, toda companheira

Enquanto a avó fica ali na cadeira

E ensina a menina, se eleva o cenário

A cor, o carinho, a flor, o canário

O canto, o silêncio, e a paz celestina

A neta e a velha, a vó e a menina

A coisa mais bela da era de aquário.

 

(de quando chegam á ‘campina grande’, e encontram dona Mabel)

 

Chegando a outra cidade

Colorida flor de graça

De um jardim de cata-ventos

Minha poesia se engraça

E soprando cria ventos

A onde o vento não passa.

 

Foi então naquele dia

Perto de uma usina velha

Num milagre de Miguel...

Num cenário cor-de-telha

Que encontrei outra rosa

Numa paisagem vermelha

 

Ali eu era uma abelha

Que encontrou sua musa

Na loucura de um Quixote

Que em sua trova profusa

Numa miração de pedra

Por onde passou medusa

Lá conheci uma deusa,

A Senhora Mãe do Vento,

Batendo as asas de Iris,

Na contemplação do invento,

Entendendo a liberdade

Das gentes, dos movimentos.

 

Com tantos ensinamentos

Pude expor para a platéia

(Um cachorro, a deusa, e paco)

A verdadeira colméia

E dos moinhos de vento

Não faltou a Dulcinéia.

 

Lu

(1ª parte)

A estrada é nossa morada

vivemo atrás de um lugar

Que ninguém sabe se existe

Ninguém nunca ouviu falar

A cidade é Tatuí

Você sabe onde encontrar?

 

Com a benção de são Cristóvão

Seguimos nesse Corcel

Eu sendo esse mamulengo

com meus versos de cordel

e meu par sendo o pai dele

que observa lá do Céu

 

Funilaria Martín

é o destino primeiro

é lá que tá o credor

de Paco, meu companheiro

Por isso rodamos tanto

Nesse carro aventureiro

 

Só que tem a gasolina

Que é preciso pr’ele andar

E isso custa dinheiro

Ainda mais quando não há

Sinal dessa Tatuí

Onde danado ela tá?

 

Depois é pra Milho Verde

O rumo da caminhada

E nas estradas, nos Céus,

Prosseguimos na jornada

Nos encontrando nos outros

Vivendo a vida sonhada

 

Da cortina da janela

Fui velha, uma criança

Varal, árvore, batom

É o tom da minha dança

Sou água de melancia

Repleta de esperança

 

Chegamos nessa cidade

Vazia e silenciosa

Pra enchê-la de emoção

Interpretando em glosa

a estória do presente

poetizando a prosa

 

E agora ao nos encontrar

Com a Senhora, Mãe do Vento

Mensageira como Íris

Doutora desse elemento

Pedimos só uma benção

De’um desses seus Cata-vento

 

 

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(2ª parte)

 

Salve Salve Santa Rita

Salve povo encantador

Viemos contar estória

É esse o nosso valor

O Vento foi quem nos trouxe

Ele é o nosso professor

 

Saímos de muito longe

Vivemos na longa estrada

Procuramos Tatuí

Ô cidade procurada!

Só que ninguém sabe dela

Nem no mapa tá mostrada.

 

Tivemo em muita paragem

Nos vimos em todo canto

O carro é o nosso mocambo

Ele é um fiel recanto

Mas bebe um gás danado

Nos deixando sem um conto

 

Percorremos muitas léguas

Atrás de uma Funilaria

Martín é o nome dela

É ela a moradia

Do homem que o pai dele

Ficou devendo algum dia

 

Tamos indo lá pagar

Não sabemos bem o quê

Só que temos que ir saldar

A dívida de um outro ser

Para que meu companheiro

Possa tranqüilo viver

 

Olhados por São Cristóvão

Seguimos na travessia

Encontros encantadores

Perfumam a nossa via

Batom em mão de criança

Na boca de quem a guia

 

Vimos as asas de Íris

Aplaudir a nossa estória

Junto a Paco e um cachorro

Escutou nossa memória

Nos deu de presente Vento

Abençoou –nos de glória

 

Muitas Luas se passaram

Muitas águas, muito chão

Juntamos algum dinheiro

Mas ele mal paga um pão

E agora agradecemos

A todos a atenção

 

Nós saudamos essas águas

Essa terra, esse presente

As plantas, os animais

Saudamo a Lua Crescente!

Saudamos nosso Deus Sol

Nesses versos de repente

 

Catavento na janela

Prosseguiremos viagem

Nosso rumo é Milho Verde

Tatuí é só passagem

Suspeito ser Tatuí

Uma cidade miragem.

 

da genese - incompleto

ATO I

 

O COMEÇO

 

Pessoas aqui, presentes

As graças deste lugar

Peço cá que cá escutem

A história que vou contar

Pois não vem de tão distante

É um recado do lunar.

 

E sentindo, a transmutar

vôo unindo os elementos

grito à água, vem a chuva

tempestade, vem o vento

cai na terra, nasce a planta

pau que cresce, o fogo invento

 

Tendo cada um elemento

a este enrredo evocado

nossa verdade é completa

entre a coragem e o atado

pois enquanto estou tecendo

me aproximo do sagrado

 

É a metafora do nado

de um peixe umbilical

criatura que broteja

ramando do milharal

herdado o sangue da terra

nessa trasmissão natal

 

Corpo de carne vital

é matéria, um instrumento

capaz de apreender

diante da coisa invento

a essência limiar

numa brincancia de vento

 

A pouco e a passo lento

entre frestas de outras portas

nasce a gente e logo crescem

fome alimentando as hortas

das sementes que brotejam

e que pareciam mortas

 

Com a verdade que corta

sai da urna o rico bredo

milagreando a nascente

e o sol que acorda cedo

da flora que vem tocar

com as luzes de seus dedos.

 

cresceu um grande arvoredo

junto das gentes cresceu

mas as gentes não sabiam

de onde tudo nasceu

somente desconfiavam

que cada qual era um eu.

 

Fazia dias que o breu

Tinha invadido o céu

Encontrou sua morada

Nessa imensidão cruel

E se amigou de uma nuvem

Que sempre lhe dava mel

 

O escuro se subiu

E a poeira assentou

A gente não tinha asa

e da terra não voou

e foi um grande mistério

Que a escuridão carregou

 

 Nesse tempo todo escuro

O urubu quem mandava

Chefe de todas as aves

Que lá de cima avistava

As gente daqui de baixo

Em quem elas defecavam

 

 

Ato II

 

O MAU AGOURO

 

Boa noite dou ao povo

e ajuda eu peço ao vento

pra falar do sentimento

que cabe dentro do ovo

 

não é sentimento novo

é coisa velha e antiga

também cabe em cada grão

da amarela espiga

 

é coisa que me intriga

e que aqui peço e louvo

que a memória me siga

e me ajude enquanto trovo

 

O tal fato ouvi de um corvo

que cantou, agouro mal

Ele voava em contraste

com o sol do milharal

e partilhava o mistério

da inteireza dual.

 

A cinza, o mel, o cristal

o sopro das criaturas

a essência das escrituras

e o caminho do tao

 

ninguém mais sabia igual

só esse corvo sabia

a tudo ele conhecia

consciente do real

 

mas nesse quadro atual

não há real que se sendo

que mesmo que escondido

não acabe aparecendo

 

Cabeça negra mexendo

Em silêncio gorgeou

E o dia branco de sol

Logo em seguida geou

E o branco que era gelo

Com o tempo degelou.

 

Conhecia, o corvo, mitos

De antepassadas culturas

Os mistérios infinitos

Almanaques e misturas

e partilhava dos ritos

das medicinas seguras

 

 


Serrita

 

Serrita

 

Uma benção passar por essa terra

Receber o carinho de vocês

Ilumina o caminho de nós três

Essa luz que aih não se encerra

Sobe monte, se estrada, corre serra

Nos dá força na volta pra cidade

Nos refaz o poder dessa amizade

Cada gesto, alimento de carinho

Pois aqui na fazenda salgueirinho

Encontramos muita amorosidade.

 

Exu/ Serrita, com Marina – dezembro de 2012

Voltando ao mapa da fome

 

Voltando ao mapa da fome

Geografia maldita
A que a escassez envolve
vazio o bucho revolve
fome que se reedita
cartografia esquisita
a de um povo que não come
enquanto o rico consome
o que quer, o que deseja
o pobre somente almeja
procura e logo lhe some

O Brasil tinha saído
mas já entrou novamente
e aquele despresidente
pode ser atribuído
um país acometido
por um desmonte imoral
se falta o essencial
pode saber que é por gosto
e essa corja tem rosto
são a face desse mal

Besta fera apocalíptica
corrói tudo feito praga
envenena, deixa a chaga
em sua anti-política
de fake faz sua mítica
mortifica e condena
volta a miséria pra cena
numa sordidez infame
queremos outro ditame
que refigure o poema

Alegre foi ter saído
daquela extrema pobreza
já se via mais beleza
de um tempo bem vivido
país melhor conduzido
tava num rumo melhor
mas voltamos ao pior
e ainda mais apurado
com um nazi chefe de Estado
pense num momento o ó

Recordo na minha infância
pela porta um: “Tem cumê”
coisa triste de se vê
miséria e mendicância
em paralelo à ganância
um projeto que tem nome
e enquanto o povo não come
o rico ostenta um pernil
É triste ver o Brasil
voltando ao mapa da fome

Um país adoecido
vai além da pandemia
não cabe na poesia
o quanto se tem sofrido
um cansaço estarrecido
um ambiente hostil
mais um que morre de frio
outra barriga a roncar
a fome achando lugar
é retrato do Brasil

muito desvalorizado
o sal do nosso suor
endereçado ao pior
o povo escravizado
tudo super faturado
o rico enricando mais
discrepâncias sociais
tributos sem repartir...
Mas se a gente se unir
Derruba esse Satanás