quinta-feira, setembro 24, 2009

sábia


No meu quintal, andando no chão - grande com pernas finas - uma sabiá sem gaiola.
Voou! E a menina que gostava tanto do bichinho entendeu e sorriu.
Surgiu um sol na sua face, e ainda, um pingo de gratidão em cada fenda ocular.

(Recife, 18 de outubro de 2002).

bons exemplos de mortos vivos

A janela ficou entreaberta
Construiu-se uma relação de vidro
Uma verdade de fumaça fez trincar
Aí está, uma amizade em coma.
Como se alimenta algo nesse estado?
Com tubos? Faltou um cuidado a mais...
E agora como ela respira?
(Me preocupa mais que nunca).
Vigília constante.
Logo agora que cuidava do pé direito que pisou em falso!
Logo agora que me fortalecia, alimentando-me de nossas carências distintas.

Logo agora, que ambas as parte apareciam querendo e dando ombro.

A janela ficou abrindo sozinha com esse ventinho terno das carências...

Enquanto isso, a porta do armário do quarto escuro do inconsciente, esperava o vento chegar até ela. Ela carecia desse pretexto pra se abrir.

Armário antigo. Cansado do que guardou. Coisa mal quista, coisa confusa. Cheia de fusos fiando.
Coisa que o vento quis fechar.
Que não queria companhia assim no sol.

A janela ficou entre aberta
A lua, vez ou outra, espiava intranqüila de saber.
O vento deixou de ter dedos e ventilou mesmo
Abriu e bateu portas.
Expôs arteiro
Pro sol claro
Estrelado
Ovo-frito.


(Recife, 17.01.2009).

circulação afetiva

Circulação afetiva

A carência afetiva
A energia elétrica
A forma de bolo
O pão integral

O crime o castigo
O coco o umbigo
O carrossel

A espiga de milho
A cantiga e o filho
O embrião

O feijão de corda
A fome que engorda
A paz que me acorda
O coração

(Recife, 2009)

o matrimônio da espécie

O matrimônio da espécie.
À Aparecida Nogueira.



A crise energética
A invenção da carne de sol
A crise existencial.

O patrimônio da espécie
O matrimônio da raposa
A chuva persistente.

Todos esses, saberes e práticas,
Contemporâneos a nós.

- Akira Kurosawa e meus sonhos.

O aprender é o afeto
O apreender amplo
O corpo amplo

O ovo
O feto
O templo
O nada

Simultaneidade dos mundos...
“Cabra e cabreiro”
A física sinfônica

A comunicação
“As cabras têm nome”
O laboratório natural
Minha arte sacra.

O mito de eco
O sacrifício
O cuidado.

O animal
A troca
O perdão.

O leão de Neméia
A amêndoa doce
O veículo.

A mosca fresca
A teia branca
A viúva negra.

O sopro de Oxalá
O deus interno
Os Sufis.

Hermes de asas nos pés
Íris de luas têmperas
Os raios em Xangô.

O desfile das escolas de samba
Os sambas sem escolas.
Os sambas escolas.

O OROBORO
O poema sem fim.
O sistema aberto.


A. Mahin
27.02.2009
Várzea.

terça-feira, setembro 22, 2009

Para Pollyanna

Feito Pocahontas Pollyana é uma indiazinha elástica cor de ágata com jaboticaba
cor de breu queimado castanho caramelo ameixa
Os dentes dela são ossos bem fortes de quebrar coquinho guariroba e babaçú
de morder branco e roer osso.
Brincava as tardes alaranjadas pelas margens do Rio Opara
quando conheceu, Traíra, Dourado, tambaqui, Piaba... E outro seres da invisibilidade.
Lá, gostava de ver o mundo de cima de um juazeiro humilde e grande.
Conheceu muitas histórias de aves transeuntes, viandantes...
Histórias de trajetos longos, de outros ângulos...
e aprendeu com isso a falar outras línguas, de assobio e gargarejadas.
Tinha gosto pelo colorido que as aves completavam no céu
e nas ramagens arbóreas, as vezes pálidas, da caatinga.
Aprendeu a ler os calangos das pedras e dos garranchos,
entendendo ser de extrema importância a expériencia daqueles que furtam cor...
Um dia se enamorou de um Galo-de-campina com quem casou e adotou cachorros de rua.
Ouvi dizer, que a família dela era daquelas que fariam gosto que ela fizesse 'teatro' - e ela fez 'direito'. Assim, com essa formação para o mundo sensível,
com essa aptidão para a plenitude, é que do curso de fisíoterapia ela fez iogas
e hoje dá aulas de dança nas periferias de uma metropolezinha tropical.
É, dentro dessa dimensão amorosa, que flui salgada agüinha dos olhos,
quando vê bailarinas que aparecem salvando os filmes de gangsters,
ou a estrela acesa nos olhos do pequeno Billy Eliot, na tela, em rodopio.
E, é dessa maneira afetiva que avida dá-se em música. 


 Amoraíra Mahin, Recife, 22, set. 2009.

quinta-feira, setembro 10, 2009

água de chocalho

à Paulo Michelotto.

"carnaval-fora-do-tempo"
adoro gente que fala... água de chocallho.
água do chocalho dos olhos, marejam as azeitonas oleosas
dançando pra deus. com sono até hoje. um monte de coisas. umbanda.
eu era diácono. era a minha pregação. minha igreja. minha comunidade eclesial de base. era eu.
mas a liberdade tem que ser oleosa, tem que ter horizonte.
- A literatura oral.


Alecrim Mahin.
25.08.2009