quinta-feira, novembro 04, 2021

super Lua

Super lua
Deusa que nos sobrevoa
No alto da minha loa
Leoa
Super lua
Lei que me toma louca
Quebrada prato de louça
Da arca velha de Rita
Super lua
Avó antiga, morada
No alto da minha casa
Me alça, me caça
Coruja que canta e rasga
Super lua
Meu coração é de quartzo
Rosa, dourado e de prata
Feito batuque de cria
Tamborilando na lata
Super lua
Onça que no céu impera
Madrinha comadre fera
Templo que gera
No remanso dessas águas
Tempo de espera
Diluindo nossas mágoas
Heroina
Guia dos enamorados
Caos da luminosidade
A rainha da cidade
Me invade
Super tua
Já não tenho mais segredos
Luz em todos os enredos
Os sonhos acesos
Super tua
Meu sangue meu cio meu eixo
Mutante espelho e amplexo
Me vejo
Me seixo

No remanso dessas águas 
Diluindo nossas mágoas 


lapinha - mote de Ton Fil

O barro é matéria fina
Que o sopro vem povoar
Corpo templo desse ar
De poeira peregrina
Parte da essência divina
Que a natureza revela
Minha mão mexe e modela
Ao som de uma ladainha
Minha mãe monta a lapinha
Com o Santo que eu fiz pra ela

Observo e vou criando
Acho no barro esse elo
Várias imagens revelo
E assim vou admirando
Alguns eu vou floreando
Outros a face é singela
Cada imagem se desvela
Encontrando traço e linha
Minha mãe monta a lapinha
Com o santo que fiz pra ela

O louvor que tenho à Terra
Aprendi desde menino
Feito mestre Vitalino
Essa arte me aterra
Na silhueta da Serra
Uma impressão se avizinha
Pois vejo a face todinha
Dessa Grande Mãe tão bela
Com Santo que eu fiz pra ela
Minha mãe monta a lapinha

sábado, julho 03, 2021

Ave de fogo

A ave de fogo resurge
Numa fogueira junina
São Pedro apazigua nossa chama
Com a chuva da mãe divina
Abre nossas portas
Molha nossas hortas
Nos guia...

Viva Xangô, viva São João
O Sabiá é feito uma fênix
Que renasce junto com a chuva
Com a relva que sonha
No fogo interno
Deste mês junino
Se aquece pra revoar
E cantigar
Feito pássaro livre

quarta-feira, junho 02, 2021

crônicas de quarentena 1

 

Pequena crônica de quarentena 

 

“A rua é alegria, mãe, a rua é esperança, a rua é brincar com os amigos”- disse a menina Esmeralda de 5 anos caminhando a reta da avenida principal do Cajá em um misto de raiva e amor. Foi um saudosismo empacotado, reclamando que a viseira e a respiração embaçam sua vista. Disse ainda, antes de chegar ao destino e querendo entender mais sobre o sítio emergente: “a casa é só uma caixinha bem pequena... É chato. Queria liberdade.” – Completou com desejo a frase da emoção inconclusa, e a conformação aparente flertou com uma possibilidade de comer algum doce. Omar, o irmão mais novo, pega sempre a viseira como um cão pega a coleira para passear; euforia aflita, com medo que seja um desses constantes alarmes falsos em que somente um adulto sai para compras ou qualquer coisa, e as crianças têm que se entreter com os conhecidos atrativos caseiros: brinquedos, alimentos, lagartixas. Vi na notícia da net, dia desses, que o velho Raoni Metuktire saiu do hospital, fiquei feliz. Professou: “a gente deve estar junto, se amar e se respeitar, doença não marca dia”. Pensei que não foi desta vez que a Onça veio buscar o compadre. Por cá também, ferido, inflamado, alguma entranha sentida. Feridas fluidas que ora reacendem nos intestinos... Me apeguei à cúrcuma, um amarelo-queimado que tinge tudo, ao picante gengibre, e ao verde escuro e translúcido da Espinheira Santa, que feito a menina, é Esmeralda.  Ela é um pedra-verdinha que sonha futuros andejos. Sonhou inda ontem um sonho de manhã, sendo uma vampira pálida que aparecia no espelho, depois de se sonhar uma bruxa flutuante. Contou no café que olhava fixo o reflexo, podia ser de água, “tipo um lago” ela falou. – Filha, Lembra daquela lagartixa que parecia dragão-de-komôdo, que a gente chamava de Tiranossaura... ela sumiu. Ouvi as vizinhas falando de um calango do tamanho de um Teju que apareceu pelo sofá que elas deixaram por ali pelo corredor. – “Porquê as vizinhas têm medo de lagartixas, mãe” curiosidade sobre os medos. - O medo vem, Esmeralda, toma a gente sem motivo aparente. É a dificuldade com a presença o outro em você. As lagartixas também têm medo da gente, medo contagia.

Os pés das crianças cresceram muito, quando foram sair depois de três meses não cabiam os sapatos. Sonhei com os meus mortos, visitei velhas casas em sonhos, revi ruinas, reconstruí uns castelos. Sonhei com o pai da minha amiga ressuscitando, tinha raízes e ladrilhos em seu interior...  – “Mãe, me faz uma barraca”. O nomadismo parece estar em algum âmago da gente, emparelhando o essencial. Esmeralda gira no centro da sala até achar o voo. A alma pede viagem, o corpo pede leveza, mas o presente pede chão.



sábado, maio 22, 2021

Zé encantou-se

Um arco-íris cruzou
O céu aqui dessa mata
Pensei logo que era Zé
De maneira imediata
Em cortejo avoador
Em rastro de luz e cor
Pela paisagem de prata

Nesse metal de chuvisco
Um apito ressoava
No barbatuque dos raios
Que o tempo preparava
Pra receber o brincante
Que em seu vôo galante
Galopante se chegava

"Um capitão de verdade"
Disse outro mestre daqui
Subia tão alinhado
Dessa maneira que vi
Se brilho, fita ou bordado?
Transparecia um dourado...
Despido dessa matéria
Luzindo a beleza etéria
De um colorido encantado

A chuva comunicou
Quem em cortejo passava
Havia festa no céu
O Sol a chuva encontrava
Cá as raposas se uniam
Viúvas se despediam
Da viuvez pr'outo estado
A morte virava vida
E a ave renascida
Cantava já d'outro lado