terça-feira, outubro 27, 2009

amora clara

Amora vermelha-preta. Doce mimo. A gente come e faz um cocô escuro, fora o colorido que fica na roupa quando a gente limpa a mão. Minha irmanzinha mais nova tem na chácara da mãe dela um pé de amora bem espalhado. Tinham galhos bem baixinhos para que ela pudesse pegar com os próprios dedinhos rombudos as frutinhas. A boquinha de passarinha ficava borrada de um tom frutal escuro naquele sol de hora do almoço. Tinta doce quente da madureza da manhã.

(Recife, setembro de 2009)

O trânsito.

Tanta coisa pendente que desprende
suspensa que surpreende
nessa segunda dos exus e de obaluaiê,
das pombas que giram, de satanás,
das ciganas tupiniquins, padílhas, pilíntras...

O ofício santo dos ante heróis.

Cheguei em casa e o copo
de vidro quebrou em minha mão.

"Era para o santo" - entende-se.

O rio... 

Diabo das matas, das vinhas,
divino, das ovelhas cabras,
dos carneiros, das cobras,
das cobranças sociais.

A mulher, a noite, o canhoto...

Parte da causa da estigmatização
dos diAbos, dos diEgos, era o medo
que as pessoas condicionadas tinham
a uma ótica estreita de 'desconhecido'.

Mas o rio que flui bifurcado feito perna
aberta, veia da terra, caminha raro...

De longe, muito longe, saltou a voz
agradecida, uma gota d'água doce,
das glândulas salivares do organismotor.

Transitando...

Fui dormir e contei carneirinhos.
Passei numa ponte...
E as estrelas do céu...
E as casinhas na beira do rio,

Uma velha de branco...

Branco o olho e o negro da noite...
Era negra a senhora.

Trabalhava em rendas de bilros,
numa luz amarela...

Negro olho e o branco da noite,
branca a concha do mar,
e o espelho do rio
branca a luz do luar.

Eu passei numa ponte.

Sonhei que estava numa rua larga
e vazia, era a rua amélia, no bairro
das graças, aparecia um menino,
um menino desses de rua, cara
de bicho com raiva, com sono
e fome, cara de sol ardente...

Me virei numa gaivota grande.

As asas queriam conte-lo em abraço
de mãe, começei, gaviota...
Gaivota ou colhereiro?
comecei a desvirar e respirar bem
fundo, acordando mar bravo
dentro. E chorei abraçada.

A essa altura o menino chorava junto,
um respiro largo tomou conta de nós dois.
Era a paz.

Voou outra ave por cima da gente
em forma de sombra, no chão
o reflexo da ave veio na poça d'água
formada do chororô. 

Tinha aparecido uma tartaruga marinha
bem pequena, e a gente quis salvá-la juntos.


(Camaragibe-Recife-Barro Macaxeira-Várzea, dia dos exus e omolus, segunda-feira dia 31 de agosto de 2009)

Oração do treze de maio.

Linda senhora a ema, 
linda senhora a siriema...
Treze araras estressadas
e um tucano solitário
Parque treze de maio

Linda senhora a ema
linda senhora a seriema
Trancadas num viveiro

Macaco prego e gente
O guarda está sentado
"Não alimente os animais"
 - Está escrito ao lado.

O pombo e a pipoca
A menininha chora
Argumentando ao pai
que não quer ir embora

O sol é frio chuvisca
É tardezinha e o céu cora
E a palmeira dança

Lindas senhoras as crianças,
Lindas crianças as senhoras...
Linda senhora a ema
Linda senhora a ema

Um homem negro e crente
Veste terno e gravata
Palestra sorridente
Gostei dele de graça

Linda senhora a ema,
E o pavão também...
A tarde entoa um canto
Paz da senhora, amém.




(Julho, Recife, 2009).

Carneiro perdido do breu imenso.

(A Exu, a Pã, a todos os sátirus. A todos os boés que conheço, aos amigos de áries e de capricórnio, a todos os cães que pastoreiam, ao Egito, e a comunhão com Dionísio que nos permite a sorte do caminhar descalço do louco, de se perder e se achar).

Menino carneiro
Menino da constelação do carneiro
Eu vou te encontrar
Onde é que eu te encontro
Carne e carneiro, menino
Verde o vermelho que eu sinto
Eu já me desfiz
E me pintei de chão e giz
Eu já me encantei
E te pintei

Que pedra preciosa
Que cor de rosa
Que choque em botão
Eletricidade
O fio condutor, a luz
A água a vontade
O vinho tinto em Jesus

Méérr... Mééér... Méér

Eu vou te contar...

Cabra e cabreiro
Menino
Sede o vermelho que é tinto
Eu já te desfiz
E te pintei de chão
Eu já te encantei
E me pintei...

Que pedra preciosa
Que cor de rosa
Que choque em botão
Eletricidade
O fio condutor a luz
A água a vontade
O vinho tinto em Jesus

Méérr... Mééér... Méér


(Recife, junho-2009).

Estrela mista

Pouco um tudo,
um carinho, uma paz....
Que espelho enxerguei
quando fixamente tentávamos olhos?
Que espécie de medo construí em mim,
minha estrela?
Me jugo, e rodo, e caio
na vida espiralada.

O mago me encontra,
no entanto, antecipo a possibilidade minimizando-a.

A escolha veio tão condicionada e tanta coisa,
(que nem foi bem uma escolha)
que eu não pude experimentar o outro lado da lua.
O lado claro.

Uma torre guarda o touro interno.
Um touro terno
que gostaria sim de ampliar o plexo
de fluir conjunto, de confluir.

Sim estrela,
me turvo...
E só, me enxergo
E só me enxergo.

Estrela outra.
Eu outra, estrela.
Minha cabeça e a tristeza
da perda.

Meu peito e a prisão do subsolo
Com potencial para a sincronia,
Mas seco e nuvem.

O nosso amor:
Grande, muito...
Tento trabalhar para exercê-lo
Com corpo almado
Com cor,
Corado.
Para dizer sentindo
O gosto cheiro.

Deixando chegar o cheiro amplo no plexo sol

Deixando entrar o gosto
Boca poro vácuo

E ser
Sentindo
E ser sentido

E dar
...sentido
sem medo de (não) ser
mãe
fuido
secreção.

medo de ser,
filho.


(Várzea, 16 de maio de 2009).

quinta-feira, outubro 15, 2009

prismando

flor púrpura da esperança orvalhada e amorosa...
benção em lua e sol de presente.
amora vermelha e raiz de cajueiro roxo...

foi a gota salgada do corpo cheio...



Anaíra Mahin
set de 2009
boa vista

como quem costura


Bárbara come ciscando no prato,
um siscado sistemático, rearrumando o feijão verde o cuscuz e o vinagrete, o coentro cozido. parece quem costura, quem borda... parece faminta. satisfeita.
prepara o garfo com a faca.


Anaíra Mahin
Vázea, 2009, outubro.

anaíra mel

italianas eram as abelhas
minha vizinhança naquele Egito de São José
as flores que ele carregava
e o bambino de colo

eu era um menino Jesus tão agraciado

os velhos da cidade me elogiavam a delicadeza à mamãe
"Quem não te conhecer que te compre"- ela dizia baixo me olhando

na porta da igreja até tarde da noite
era um sertão calmo
cantado pelas corujas.

as meninas grandes jogavam bola
eu gostava de barra-bandeira e de X- Men
e bola só playava com os meninos pequenos

eu era uma sibita...





anaíra mahin, CDU, outubro de 2009