Pequena crônica de quarentena
“A rua é
alegria, mãe, a rua é esperança, a rua é brincar com os amigos”- disse a menina
Esmeralda de 5 anos caminhando a reta da avenida principal do Cajá em um misto
de raiva e amor. Foi um saudosismo empacotado, reclamando que a viseira e a
respiração embaçam sua vista. Disse ainda, antes de chegar ao destino e
querendo entender mais sobre o sítio emergente: “a casa é só uma caixinha bem
pequena... É chato. Queria liberdade.” – Completou com desejo a frase da emoção
inconclusa, e a conformação aparente flertou com uma possibilidade de comer
algum doce. Omar, o irmão mais novo, pega sempre a viseira como um cão pega a
coleira para passear; euforia aflita, com medo que seja um desses constantes
alarmes falsos em que somente um adulto sai para compras ou qualquer coisa, e
as crianças têm que se entreter com os conhecidos atrativos caseiros:
brinquedos, alimentos, lagartixas. Vi na notícia da net, dia desses, que o
velho Raoni Metuktire saiu do hospital, fiquei feliz. Professou: “a gente deve
estar junto, se amar e se respeitar, doença não marca dia”. Pensei que não foi
desta vez que a Onça veio buscar o compadre. Por cá também, ferido, inflamado,
alguma entranha sentida. Feridas fluidas que ora reacendem nos intestinos... Me
apeguei à cúrcuma, um amarelo-queimado que tinge tudo, ao picante gengibre, e
ao verde escuro e translúcido da Espinheira Santa, que feito a menina, é
Esmeralda. Ela é um pedra-verdinha que
sonha futuros andejos. Sonhou inda ontem um sonho de manhã, sendo uma vampira
pálida que aparecia no espelho, depois de se sonhar uma bruxa flutuante. Contou
no café que olhava fixo o reflexo, podia ser de água, “tipo um lago” ela falou.
– Filha, Lembra daquela lagartixa que parecia dragão-de-komôdo, que a gente
chamava de Tiranossaura... ela sumiu. Ouvi as vizinhas falando de um calango do
tamanho de um Teju que apareceu pelo sofá que elas deixaram por ali pelo
corredor. – “Porquê as vizinhas têm medo de lagartixas, mãe” curiosidade sobre
os medos. - O medo vem, Esmeralda, toma a gente sem motivo aparente. É a
dificuldade com a presença o outro em você. As lagartixas também têm medo da
gente, medo contagia.
Os pés das
crianças cresceram muito, quando foram sair depois de três meses não cabiam os
sapatos. Sonhei com os meus mortos, visitei velhas casas em sonhos, revi
ruinas, reconstruí uns castelos. Sonhei com o pai da minha amiga ressuscitando,
tinha raízes e ladrilhos em seu interior... – “Mãe, me faz uma barraca”. O nomadismo
parece estar em algum âmago da gente, emparelhando o essencial. Esmeralda gira
no centro da sala até achar o voo. A alma pede viagem, o corpo pede leveza, mas
o presente pede chão.
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